“a rotina preconceituosa que afirmava ser a mulher inadaptada à prática desportiva, vai a pouco e pouco cedendo terreno […]) hoje a mulher procura ardentemente nivelar-se ao homem em todas as manifestações de vitalidade[… tendo consciência]de que o seu papel não se deve restringir ao espaço acanhado que vai da sala de costura à sala de jantar.”

(Sports do Funchal, 4 de Agosto de 1926).

É, para mim, um grande prazer e honra poder participar na recuperação deste espaço de opinião, livre e sem preconceitos, Olhar Alvi-Negro.

É mais um desafio que o Clube Desportivo Nacional me propõe e que aceito com grande satisfação, mas, também, com um enorme sentimento de responsabilidade. Apesar de estarmos no séc. XXI ainda é precisa coragem para dar voz e prioridade a uma mulher, num mundo onde a discriminação de género está enraizada.

Esta audácia, contudo, não é inédita no Nacional. Em Agosto de 1926, numa época em que se considerava que o mundo desportivo era pensado de e para os homens, dominantes enquanto dirigentes e praticantes, o Clube Desportivo Nacional dedicava parte das Festas Náuticas ao debate em torno da visão conservadora e tradicional que atribuía à mulher “o papel de dona de casa, de esposa e mãe [e] cuja missão parecia incompatível com actividades físicas não tradicionais”.

A mulher foi ganhando o seu espaço no fenómeno desportivo. Acentue-se, porém, que tal conquista tinha por base a ideia de que a presença do elemento feminino no espectáculo de futebol, torná-lo-ia mais civilizado e jogado com maior energia e correcção. Aliado a este facto estava, igualmente, o interesse pela beleza e pela postura femininas nos recintos desportivos. Exemplo disso será uma chamada do Diário de Notícias,  datada de 4 de Janeiro de 1945, que dá conta da oferta de prémios  “às três senhoras que se apresentem com os seus trajos característicos de tennis, o mais elegante, o mais original ou o mais vistoso” e não com base no resultado da competição. Há um longo caminho a percorrer para atingirmos a igualdade de género na sociedade e no desporto. As mudanças são lentas, mas cabe-nos acelerá-las.

Haveria tanto a dizer sobre este tema, mas apesar de não me terem colocado limites no número de caracteres a utilizar, apenas quero deixar o meu testemunho, numa escrita descontraída, um pouco biográfica e sob a forma de Olhar Alvi-Negro, sobre o que considero ser uma Mulher do Nacional.

É tão fácil! Com um gosto especial pelo futebol e pela história do clube, ao longo destes últimos 110 anos de existência, sou uma mulher que vai (ou ia, antes da pandemia) ao estádio, que veste e que defende a camisola do clube, que aplaude as vitórias e que aguenta as derrotas, além de,  à falta de palavra melhor e publicável, “argumenta” com quem merece.  Sou uma das inúmeras mulheres do Nacional.

Ser mulher do Nacional é ser atleta, nas diversas modalidades que o clube oferece. É ser dirigente e ser empreendedora. É saber que ali, apesar de ainda em processo de construção, se encontra uma estrutura bem preparada para poder acolher a mulher nacionalista: a treinadora, a seleccionadora, a massagista, a preparadora física, a delegada, a árbitra, a nutricionista, a psicóloga, a directora, a comentadora, a jornalista, a formadora, a presidente!

Ser mulher do Nacional é trabalhar para desconstruir estereótipos e isso muito se deve aos grupos de apoio, outrora claques, Claque Feminina e mulheres da Força Alvi-Negra.

Ser mulher do Nacional é fazer com que compreendam, de uma vez por todas, que percebemos de futebol, que discutimos transferências e opções tácticas, que conhecemos as regras e a filosofia de jogo.

Ser mulher do Nacional é levar o(s) filho(s) e a(s) filha(s) aos espectáculos desportivos. É ajudá-los(as) no percurso desafiante de atletas e deles(as) sentir um orgulho imensurável.

Ser mulher do Nacional é sentir saudades de ter o Estádio da Madeira cheio de cor e de movimento e ter orgulho em todos e em cada um dos 1050 atletas federados que honram a nossa camisola. É entender a concorrência como uma procura contínua pela excelência e pelo diálogo informado.

Enfim, que mais posso dizer? Ser mulher do Nacional é ter tão bom gosto!!!!

A estrear a nova edição do Olhar Alvi-Negro, em dia que se celebra a Mulher, não posso deixar de homenagear todas as mulheres, gostem ou não elas de desporto, gostem ou não elas do Nacional.  Obrigada pela vossa resiliência!

Homenageio, ainda, as mulheres da minha vida e que, de alguma forma, ajudaram-me a ser a Mulher e a Nacionalista que hoje sou:

A Nacionalista Manuela Sardinha, a minha avó, de 87 anos.

A Nacionalista Albertina Nascimento, a minha mãe, defensora do rufar dos tambores.

A Nacionalista Teresa Passos, a minha tia, culpada de tanto sentir falta dos ares da Choupana.

As Nacionalistas Margarida Passos e Sara Rodrigues, as minhas primas, que frequentam o Estádio desde tenra idade.

A Nacionalista Luísa Rodrigues, a minha afilhada, que apresentou, sem medo, em contexto de sala de aula, e no âmbito do Plano Regional de Leitura, a obra Os Mágicos da Choupana.

Em especial, ainda, a Benedita, a minha filha, Nacionalista, sócia do clube antes mesmo de ter registo de identidade portuguesa. Luto e espero que te tornes numa mulher adulta, feliz, adepta do Nacional, numa sociedade que priorize o mérito ao género.


Andreia Micaela Nascimento

Sócia nº 1161

8 de Março de 2021